Capítulo Um

quarta-feira, 4 de maio de 2011


CENA PRIMEIRA

Era um dia comum, talvez para todas as outras pessoas na roda de amigos, o mais tímido de todos arranhava um blues no violão faltando uma corda, os outros papeavam aleatoriamente quase que ignorando as batidas do violão quebrado, os copos estavam sempre cheios e sempre vazios. O grupo de amigos se divertia naquela sexta tediosa com cheiro de chuva, alguns petiscavam pedaços do churrasco feito na brasa úmida, outros contavam historias, uns se conheciam há décadas, outros há alguns minutos, mas todos naquela roda sorriam como se a vida existisse sem tropeços. Todos menos ela. Seu corpo estava ali presente, ela vestia seu sorriso de normalidade, mas sua cabeça estava longe, já não bastasse ser dona da mente mais inquieta do universo, agora ela rodava a mil, tropeçando em milhões de micro pensamentos jogados num oceano de duvidas e insegurança, sim, essa era sua cabeça naquela noite. Enquanto tentava se concentrar nas futilidades faladas pelos amigos, seu coração apertava de doer todas as vezes que seu pensamento passava por ele. Mas ela estava ali por isso, para evitar que seu pensamento passasse por ele em intervalos de tempo. Ela não queria mais pensar nele, e isso a consumia deveras. Embora consciente de não possuir forças para deixá-lo de lado, ela construía pouco a pouco sua saída daquela prisão, que ela mesma construiu.
Ela olhou pra ele, mas não o viu, um garoto qualquer, não era bonito nos padrões sociais, o sotaque diferente chamou atenção, a piada genial solta em segundos com maestria, ela o notou. Os olhos pequenos e puxadinhos, o nariz grande, o sorriso tímido. Em poucos minutos de conversa ela estava impressionada com tamanha criatividade, maturidade e tranqüilidade daquele garoto.
O amigo mais sábio que prestava atenção na conversa, parou o blues frustrado, largou o violão que faltava uma corda e lhe disse “realmente existem pessoas interessantes no mundo, cabe a você dar-lhes uma chance”. Ela ouviu, não por ele ser sábio, nem porque o blues acalmava seus ouvidos, mas enquanto aquele garoto falava, seu pensamento se concentrava ali e somente ali. A sensação de desespero amenizou, a conversa durou pouco. E ela o notou.


CENA SEGUNDA


“Pessoas interessantes não se encontra em qualquer esquina”, ela falou enquanto comentavam do filme aterrorizante que assistiram enroscados no cinema, o garoto sentando no banco do passageiro sorriu, segurou sua mão e repetiu a mesma frase. Tão novo, tão cavalheiro, tão diferente daqueles tantos comuns patéticos que ela estava acostumada, fascinante. Voltou para casa sozinha, no meio do caminho sentou pra tomar uma cerveja com seu amigo mais sábio, a cerveja tinha um gosto de alivio, e ela prestou atenção. “Pessoas grandes, são reconhecidas de imediato, são notadas de longe, pessoas pequenas e vazias são aquelas que temos que nos esforçar para procurar qualidades”, ele disse, como quem já soubesse tudo que ia acontecer. Ela volta para casa, a cabeça tranqüila, o sabor da liberdade que ela tanto ama. A deliciosa sensação de olhar pra trás e rir de si mesma.



"I'm surprised that you've never been told before, that you're lovely."

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Beijos e boa leitura

[espero que esse texto passe seu tempo enquanto vc espera o ônibus]

5 Pessoas que não levaram choque ao comentar:

  1. Marcelo disse...:

    Por mais que as frustrações diárias sabotem nossas esperanças eu ainda acho que sempre vale a pena lançar um novo olhar. De preferência, para o lado. Quase ninguém lembra dessa direção.

  1. Caceres disse...:

    Primeiro capítulo. Duas cenas. Assim como esse texto, a vida, às vezes, pode ser bastante simples.

    Além disso, gente interessante tem uma beleza que explode de dentro pra fora, e irradia a cada olhar, cada palavra, cada respiração. E, dessa beleza, é difícil que nós nos cansemos. Das outras, ah!, das outras, hunpf...

  1. Marcela Ohana disse...:

    das outras, pfffff.

    as outras são só belezas, esse é o problema.

  1. Thiago disse...:

    Fiquei meio bobo ontem quando li, por isso as poucas palavras, meio sem nexo. :p

    Adorei o texto. "Eu mostro pra todo mundo". ;)

    Bjos!!!

  1. Marcela Ohana disse...:

    e vc fica lindo até com cara de bobo...

    ^^

 
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